Falar dos outros na sua ausência é prática comum, seja no local de trabalho ou num grupo de amigos. Não conseguimos evitar. Temos de dar opinião sobre determinado comportamento, roupa, formas de estar, e quase nunca o fazemos frontalmente. Os colegas ou os amigos estão cá para partilhar da mesma necessidade e as conversas tendem a ir mudando o alvo consoante o momento. Mas estamos a criar laços ou a potenciar preconceitos?
Texto de Ana Patrícia Cardoso/Fotografia de Shuttestock
Há que admitir – é assim que passamos grande parte do tempo. Existem até programas de televisão ou blogues dedicados a escrutinar pessoas (e situações) que, na maioria das vezes, nem se conhece. A revista The Atlantic debruçou-se sobre este assunto mas, em vez de condenar a prática, abordou-a de uma perspetiva positiva. E, se afinal, o gossip fosse benéfico para fortalecer relações?
Ainda que o filósofo Blaise Pascal tenha dito que «se as pessoas realmente soubessem o que os outros dizem sobre si, não existiriam quatro amigos em todo o mundo», a verdade é que existem vários estudos e literatura a sustentar a teoria de que falar mal pelas costas faz bem.
O efeito naqueles de quem se fala (mal) também pode ser positivo. Em Gossip and Ostracism Promote Cooperation in Groups, uma equipa de pesquisadores da Universidade de Stanford sugere que, quando alguém é ostracizado por um grupo, tende a refletir sobre o assunto e a alterar os seus hábitos para voltar a ter a aprovação do grupo...
Para o psicólogo e autor Vítor Rodrigues, as «conversas de corredor são um cenário traiçoeiro» porque apesar de proporcionar uma sensação de proximidade, esta não justifica o fundamento da crítica. «O gossip, como outras práticas predatórias de grupo como, por exemplo, não gostar de outros clubes, dão momentaneamente uma sensação de união de grupo perante os outros. Nesse sentido, reforça os laços do todo, naquele instante. Mas isso não quer dizer que faça sentido.
Os laços dos nazis estavam reforçados contra os judeus, os laços dos americanos estavam reforçados contra os índios… Mas este sentido de união pode traduzir-se numa perda enorme para a sociedade em geral uma vez que estão a reforçar o preconceito e a intolerância.»
Pode mesmo ser considerado «um ato de bullying», defende o psicólogo.
«O gossip é a defesa do cobarde. O refúgio da pessoa que não tem coragem para assumir o que pensa. E o acusado não tem como se defender. É um julgamento à revelia, com poucos dados e opiniões pouco fundamentadas. Não aceitamos o direito ao outro a ser diferente, a vestir-se com outro estilo ou a ter opiniões contrárias.»
Margarida Vieitez, especialista em terapia de casal, mediação familiar e de conflitos, lamenta que estejamos todos «mais focados nos defeitos do que nas virtudes uns dos outros. E tendemos a apontar o que corre menos bem na vida.» E a tendência tende a ser proporcional.
«Quem está habituado a criticar terceiros normalmente também tem muita dificuldade em valorizá-los. Vemos isso todos os dias. Temos uma dificuldade grande em elogiar ou reconhecer os outros.»
Existe uma receita para nos relacionarmos com maior frontalidade? Depende de cada um, mas a especialista alerta para o facto de «vivermos num mundo com relações e situações imperfeitas, há que aceitar isso». E talvez lembrar mais vezes o velho ditado: «nas costas dos outros, vemos as nossas».
A violência possui diversas causas. É comum se pensar que atos violentos são realizados por pessoas violentas - pessoas com uma essência "má" que as diferem do resto da população. Mas uma das causas da violência, a influência social, provavelmente está por detrás de muitos episódios de violência.
https://www.youtube.com/watch?v=_qYby0fcI3c
Ter esse conhecimento, é claro, nos ajuda a entender o comportamento das pessoas e a ser mais precavidos, mas não a justificar tais comportamentos. Nesse vídeo, veremos que, nem sempre, quem faz coisas más são pessoas com um histórico e propensão a agir agressivamente.
https://www.youtube.com/watch?v=dPVPnQTr-ow
Para Zimbardo (2012), alguns processos psicológicos influenciam nessa
transformação dos indivíduos dentro do aspecto situacional. Por primeiro a
desumanização, que seria central em seu estudo, é um estado onde o indivíduo não vê
mais o sujeito como um igual humano. Algumas pessoas acabam percebendo que o
indivíduo a sua frente nada mais é que um ser inferior, merecedor de castigo, dor e
aniquilação. Esse fato é exemplificado no livro O Efeito Lúcifer com o depoimento do
autor acerca de uma investigação de uso de tortura na prisão americana de Abu Ghraib5
.
Com o trabalho do autor podemos perceber que todos são passíveis de mudanças de
caráter se colocados num ambiente propício a isso. Na tentativa de se adaptar ao local ou
pelo instinto de sobrevivência alguns tendem a concordar com as ações do grupo no qual
estão inseridos. Estas ações e suas variáveis, por mais sutis que sejam, podem levar uma
boa pessoa a cometer atrocidades. Porém, a maioria dos sujeitos pensa que atitudes
assim nunca lhes ocorreria, a isso Zimbardo (2012) explica: “A maioria de nós se esconde
por trás de inclinações egocêntricas que provocam ilusões de que somos especiais. Esse
escudo autoprotetor nos permite pensar que todos nós estaríamos acima da média em
um teste de integridade.” (ZIMBARDO, 2012, p.24).
É possível afirmar que alguns homens, devido a forma que vivem em sociedade,
nunca encontrarão situações onde essa integridade será realmente testada. Mas, se
percebermos os ideais transmitidos através dos meios midiáticos atuais os ajustes comportamentais condiciondos ao grupo que Zimbardo fala, não parecem distantes.
Exemplo disso é a propaganda americana da guerra ao terror que justifica a invasão,
morte e atrocidades a milhares de outras pessoas. O preconceito de classe, gênero, cor e
sexualidade presentes na sociedade atual, também são exemplos que nos mostram que
nossa falsa integridade sempre está à mercê de influências, e eventualmente com a
pressão certa, mesmo seu vizinho poderá se tornar seu inimigo mortal, batendo à sua
porta durante a noite para cometer contra sua família, as mesmas atrocidades que
comodamente você ignora quando ocorrem em locais distantes de sua vida, perdidas em
algum um país distante6. Tudo depende da pressão do grupo e das circunstâncias.
A trajetória dos povos encontra‐se permeada por momentos históricos de
transição de aspectos de comportamento social, porém é inerente ao sujeito
componentes que se contrapõe, como o amor e o ódio, o bem e o mal, a bondade e a
crueldade. Desde a ascensão do cristianismo, onde na maioria mulheres e em minoria
homens, deficientes físicos e com pouca influência social, eram queimados vivos em
fogueiras, ou na idade média em que eram comuns execuções em praça pública, até as
execuções em massa na atualidade, a crueldade dos povos segue a perpetuar o domínio
pelo medo. Das modificações sociais onde o espetáculo de crueldade ocupava espaço
público às instituições totais, a crueldade parece amadurecer‐se requintada em suas
formas e métodos. Seriam, desta forma, as instituições totais ferramentas políticas de
instrumentalização da crueldade? Seriam os massacres em massa expressão socialmente
aceitável, em que a crueldade do eu ganha forma na manifestação do grupo, e desta
forma torna‐se socialmente tolerável? Ou é apenas uma questão da situação
momentânea? Nem mesmo as modificações sociais que ocorreram neste espaço
temporal, tornam o sujeito menos cruel, ou mune às influencias da crueldade social, que é
refletida na atualidade.
Mas então, como nos proteger desses defeitos e falhas morais e prevenir o
surgimento de comportamentos nocivos? A questão aqui seria como podemos educar
alguém para que consiga desenvolver a resistência ao mal? A adquirir os instrumentos
mentais que protejam sua moral e que a apoiem na escolha do caminho da virtude uma
vez que somos educados em uma sociedade onde este comportamento não é
estimulado? Não dizemos aqui que o herói, que a constante luta contra os desejos em prol da razão, seja em si a solução derradeira, todavia é a que mais se aproxima como dito
por Zimbardo de superar os problemas que a vulnerabilidade humana natural tem ao
encontrar‐se com o aspecto situacional.
Isso nos leva a uma segunda pergunta: Onde, ou seja, em que meios podemos
desenvolver este tipo de comportamento? Obviamente em toda a sociedade, porém um
bom local para começarmos seria na escola. Levando este pensamento um pouco mais
longe, temos a ideia do triângulo: família, sociedade, escola. A educação que se procura na
escola seria de preparação de um indivíduo para assumir o seu papel na sociedade. No
entanto, a mesma escola é, como dito anteriormente,um espelho desta sociedade, o que
acarreta que o mesmo comportamento que se deseja prevenir acaba presente durante o
processo de aprendizagem, trazido pelo alunos e sua convivência familiar/social ou até
mesmo (e não raramente) pelos professores que ali estão.
Sem dúvida, o primeiro passo para uma educação que previna o mal seria a
compreensão primeira da própria vulnerabilidade humana do indivíduo. A questão então
é como criar condições para este saber e perceber‐se como um ser limitado, vulnerável,
que pode vitimar‐se por inúmeras situações da vida faz com que o homem tenha uma
visão diferente de mundo.
O educador social desempenha um papel importante junto dos sujeitos com os quais
interage, pois dele depende uma integração social positiva nos contextos em que vivem.
O seu trabalho, orientado por critérios de competência profissional baseada em
metodologias e técnicas orientadas para uma prática social de intervenção, corresponde, no
dizer da Carvalho e Baptista (2004), a um espaço profissional desenhado no ponto de encontro, e de
cruzamento, entre a área de trabalho social e da área da educação (p. 83).
A sua relação com os outros deve pautar-se por comportamentos de respeito e de combate
a todas as situações discriminatórias, trabalhando, no dizer de Diaz (2006) para uma socialização
terciária (…) ou seja, o processo mediante o qual se pretende que um indivíduo se reintegre na sociedade depois
de ter revelado condutas anti-sociais, associais o dissociais (p. 100), visando a inclusão plena dos
diversos atores sociais.
Para Noguero e Solís (2003) o objetivo final das ações do educador social é conseguir a
participação de todos os membros do grupo com o fim de transformar a realidade. (…) supõe a criação de um
processo de ensino – aprendizagem de uma série de valores, atitudes e estratégias que estejam de acordo com o
espírito crítico, a participação ativa, a transformação social, etc. (p.6).
Ao procurar consolidar e renovar as redes sociais já existentes, pode, também, criar novas
redes de espaços de pertença e referência afetiva, atuando de forma direta, mas sem tomar partido ou dar a solução. Deve escutar, estar atento, conduzir as respostas dos verdadeiros
protagonistas, criando, no dizer de Carvalho e Baptista (2004), a chamada distância óptima, que
conjuga racionalidade com sensibilidade e serenidade (p. 93).
Na criação de pontes entre o indivíduo, a família, as instituições e a sociedade em geral, em
áreas que vão desde lares da terceira idade, às escolas, prisões, hospitais e autarquias, ele
desempenha o papel de um interlocutor privilegiado, apontando caminhos para a solução de
problemas vividos e sentidos nos contextos em que intervém.
O “traço” marcante do Educador Social é, sem dúvida, a capacidade para saber
encontrar e ajudar a percorrer caminhos que vão no sentido do bem estar da pessoa e
da sociedade. O que o distingue de outros profissionais é a formação polivalente que
lhe permite apropriar-se de situações de carência, saber intervir educativamente e
encaminhar para outros profissionais os casos que necessitam de intervenção
especializada. O Educador Social é um mediador entre sujeitos e as respostas
profilácticas ou terapêuticas aplicáveis (Borda Cardoso, s/d, p. 14).
A necessidade da Pedagogia Social, agora mais do que nunca.
"A pedagogia social é uma ciência pedagógica, de carácter teórico-prático, que se refere à socialização do sujeito, tanto a partir de uma perspectiva normalizada como de situações especiais (inadaptação social), assim como aos aspectos educativos do trabalho social. Implica o conhecimento e a acção sobre os seres humanos, em situação normalizada como em situação de conflito ou necessidade. O conceito de pedagogia social mais generalizado é o que faz referência à ciência da educação social das pessoas e grupos, por um lado, e, por outro, como ajuda, a partir de uma vertente educativa, às necessidades humanas que convocam o trabalho social, assim como ao estudo da inadaptação social. O indivíduo socializa-se dentro e fora da instituição escolar e, por isso, a educação social deve efectuar-se em todos os contextos nos quais se desenvolve a vida do ser humano. Nesse sentido, não pode definir-se exclusivamente por ocupar o espaço não escolar, o que implicaria uma redução da mesma. Como afirma Ortega (1999), hoje sabemos que há muito mais educação fora do que dentro do sistema escolar e que este deverá procurar sempre o objectivo da educação “ao longo da vida”. A educação social deve, antes de mais, ajudar a ser e a conviver com os outros: aprender a ser com os outros e a viver juntos em comunidade. Portanto, os objectivos que persegue a educação social poderiam sintetizar-se no contributo para que o indivíduo se integre no meio social que o envolve, mas com capacidade crítica para o melhorar e o transformar."