terça-feira, 22 de março de 2016

Estímulo demais, concentração a menos.

Vivemos tempos frenéticos. A cada década que passa o modo de vida de dez anos atrás parece ficar mais distante: dez anos viraram trinta, e logo teremos a sensação de ter se passado cinquenta anos a cada cinco. E o mundo infantil foi atingido em cheio por essas mudanças: já não se educa (ou brinca, alimenta, veste, entretém, cuida, consola, protege, ampara e satisfaz) crianças como antigamente:


  • O iPad, por exemplo, já é companheiro imprescindível nas refeições de milhares de crianças;
  • Em muitas casas a(s) TV(s) fica(m) ligada(s) o tempo todo na programação infantil – naqueles canais cujo volume aumenta consideravelmente durante os comerciais – mesmo quando elas estão comendo com o iPad  à mesa;
  • Muitas e muitas crianças têm atividades extra curriculares pelo menos três vezes por semana, algumas somam mais de 50 horas semanais de atividades, entre escola, cursos, esportes e reforços escolares.
  • Existe em quase todas as casas uma profusão de brinquedos, aparelhos, recursos e pessoas disponíveis o tempo todo para garantir que a criança “aprenda coisas” e não “morra de tédio”;
  • As pré escolas têm o mesmo método de ensino dos cursos pré vestibulares. 
Tudo está sendo feito para que, no final, possamos ocupar, aproveitar, espremer, sugar, potencializar, otimizar e, finalmente, capitalizar todo o tempo disponível para impor às nossas crianças uma preparação praticamente militar, visando seu “sucesso”. O ar nas casas onde essa preocupação é latente chega a ser denso, tamanha a pressão que as crianças sofrem por desenvolver uma boa competitividade.
Porém, o excesso de estímulos sonoros, visuais, físicos e informativos impedem que a criança organize seus pensamentos e atitudes, de verdade: fica tudo muito confuso e nebuloso, e as próprias informações se misturam fazendo com que a criança mal saiba descrever o que acabou de ouvir, ver ou fazer.

Além disso, aptidões que devem ser estimuladas estão sendo deixadas de lado:
  • crianças não sabem conversar
  • não olham nos olhos de seus interlocutores
  • não conseguem focar em uma brincadeira ou atividade de cada vez (na verdade a maioria sequer sabe brincar sem a orientação de um adulto!)
  • não conseguem ler um livro, por menor que seja.
  • não aceitam regras
  • não sabem o que é autoridade.
  • pior e principalmente: não sabem esperar.
Todas essas qualidades são fundamentais na construção de um ser humano íntegroindependente e pleno, e devem ser aprendidas em casa, em suas rotinas.
Precisamos pausar. Parar e olhar em volta. Colocar a mão na consciência, tirá-la um pouco da carteira, do telefone e do volante: estamos enlouquecendo nossas crianças, e as estamos impedindo de entender e saber lidar com seus tempos, seus desejos, suas qualidades e talentos. Estamos roubando o tempo precioso que nossos filhos tanto precisam para processar a quantidade enorme de informações e estímulos que nós e o mundo estamos lhes dando.

Calma, gente. Muita calma. Não corramos para cima da criança com um iPad na mão a cada vez que ela reclama ou achamos que ela está sofrendo de “tédio”. Não obriguemos a babá a ter um repertório mágico, que nem mesmo palhaços profissionais têm, para manter a criança entretida o tempo todo. O “tédio” nada mais é que a oportunidade de estarmos em contato conosco, de estimular o pensamento, a fantasia e a concentração.
Um lindo texto da cientista que virou mãe que postei na minha página recentemente fala disso com até mais propriedade que eu, embora ela creia que o mundo tá sofrendo de adultismo enquanto eu acredito fundamentalmente que sofremos de infantolatria. Mesmo discordante, sugiro a leitura, essa moça pensa a fundo antes de sair postando. E sugiro também que leiamos todos, pais ou não, “O Ócio Criativo” de Domenico di Masi, para que entendamos a importância do uso consciente do nosso tempo.
E já que resvalamos o assunto para a leitura: nossas crianças não leem mais. Muitos livros infantis estão disponíveis para tablets e iPads, cuja resposta é imediata ao menor estímulo e descaracteriza a principal função do livro: parar para ler, para fazer a mente respirar, aprender a juntar uma palavra com outra, paulatinamente formando frases e sentenças, e, finalmente, concluir um raciocínio ou uma estória.


Cerquem suas crianças de livros e leiam com elas, por amor. Deixem que se esparramem em almofadas e façam sua imaginação voar. O clima da casa também agradece,
por Fabiana Vajman 

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