Fundação vai destinar 10 milhões de euros, durante cinco anos, para um programa dedicado ao conhecimento. Parte deste investimento irá para associações ou colectivos que se proponham a desenvolver as competências sociais e emocionais de crianças e jovens. Darão origem às Academias do Conhecimento.
Uma previsão do Fórum Económico Mundial diz que quatro em cada cinco crianças que entram hoje na escola terão empregos que ainda não existem. Não sendo possível prepará-las com base num currículo para um conteúdo que nem sequer existe, como se faz? Trabalhando-lhes a resiliência, o pensamento crítico, a capacidade de organizar, construir e discernir.
A resposta é da Fundação Calouste Gulbenkian que vai apoiar associações, colectivos e autarquias com 2,5 milhões de euros nos próximos cinco anos para que desenvolvam este tipo de competências nos mais novos. Para os preparar para o Futuro. Para isso, a fundação vai abrir candidaturas (a partir de 17 de Maio) para organizações da sociedade civil. As instituições com as melhores propostas vão receber formação e mentoria, transformando-se naquilo a que a Gulbenkian chama “Academias do Conhecimento”.
No prazo de cinco anos, a fundação quer chegar a 100 associações, 10 mil crianças e jovens até aos 25 anos e trabalhar com eles o pensamento crítico, a capacidade de “resolver problemas complexos em climas de grande incerteza”, o trabalho em equipa, a resiliência, a superação da frustração e a capacidade de lidar com a mudança.
Em suma, as chamadas soft skills, enumera Pedro Cunha, director-adjunto do programa que chancela as academias, o Gulbenkian Conhecimento.
A maior certeza que temos quanto ao emprego do futuro é que tudo vai mudar. E a única forma de nos prepararmos é reforçando as competências que melhor nos habilitam para esse futuro que é desconhecido”, sublinha o gestor de projetos.
Há dados que o comprovam: de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, metade dos postos de trabalho actuais na Europa estão em risco devido à automação e 40% das competências-chave do futuro não são as mesmas de hoje, fez notar o Banco Mundial.
O gestor de projectos desconstrói também a ideia de que estas competências são inatas.
“Vivemos com a crença, que não tem validade científica, de que a personalidade não se desenvolve. Mas estudos comprovam que estas características não só se desenvolvem como podem superar o impacto que limitações cognitivas ou determinantes socioeconómicos têm no sucesso de alguém”, afirma Pedro Cunha. Quer com isto dizer que um jovem com grande capacidade de comunicação, resiliente, que reage bem à mudança pode ser mais bem-sucedido do que outro com quociente de inteligência superior ou com origem num meio económico mais favorecido.
A Gulbenkian procura, desta forma, complementar o trabalho das escolas, nunca substituí-lo. As academias assentam na ideia de que a educação não é uma competência exclusiva do sistema educativo formal. E, para além de serem “uma aposta nos jovens, são uma forma de valorizar e reconhecer o tecido social português”, acredita o gestor de projectos. “A investigação demonstra que estas associações, que fazem um trabalho muitas vezes silencioso, desenvolvem as competências que hoje mais valorizadas são no mercado."
Como concorrer às Academias do Conhecimento
Quem pode concorrer?
O projecto dirige-se a organizações sem fins lucrativos que actuam junto de crianças e jovens até aos 25 anos. Podem ser associações, colectividades, clubes desportivos, escolas de músicas, escuteiros, ou consórcios de associações, juntas de freguesia e câmaras municipais. Há também espaço para as escolas que, em parceria com organismos locais, “queiram ir além do currículo puro e duro”.
Como vão funcionar?
As Academias do Conhecimento destinam-se a promover em crianças e jovens competênciais sociais e emocionais. E isso pode acontecer em dois moldes. Ou com uma metodologia própria ou utilizando uma validada cientificamente, sendo que para esta primeira edição a Gulbenkian identificou quatro métodos. Um destina-se ao desenvolvimento de competências sociais em crianças até aos quatro anos; outro promove em jovens a partir dos dez anos a capacidade de estabelecer um objectivo e persegui-lo de forma organizada; um outro modelo visa a produção do pensamento criativo, através da resolução de desafios, desde o ensino básico ou superior; e existe ainda que metodologia ensina os jovens a identificar problemas, encontrar soluções e concretizá-las.
Cada um destes métodos tem, em Portugal, uma entidade responsável que fará a formação dos profissionais, a mentoria e a avaliação dos projectos: a Universidade de Coimbra, a Universidade do Minho, o Torrance Center e a Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa.A expectativa da fundação é validar cientificamente os novos métodos que surjam deste trabalho.
Qual o financiamento?
Há 2,5 milhões de euros para cinco anos. Cada projecto, que deve durar entre dois a três anos, pode receber até 30 mil euros (até 60% do custo total).
Qual o prazo de candidaturas?
Nesta primeira edição as candidaturas estão disponíveis de 17 de Maio a 11 de Junho e podem ser feitas no site das Academias Gulbenkian do Conhecimento (que estará disponível a partir de dia 17).
Quantas vagas há?
Todos os anos, durante cinco anos, abrirão candidaturas. Não há vagas limitadas.
Importa, por isso, chegar a elas. A fundação assume que quer sair de Lisboa e apoiar no processo de candidatura. “Queremos dar a vez às organizações do Portugal real. E aí não existem especialistas em candidaturas e são quase todos voluntários.” Por isso, numa primeira fase pede-se apenas “uma ideia muito genérica” do projecto. A fundação dá depois consultoria para que as autoras das melhores ideias construam uma candidatura que venha a ser aprovada pela Gulbenkian. “Vamos apoiar as melhores ideias, não as candidaturas tecnicamente melhores”, reforça Pedro Cunha.
10 milhões de euros
Este é um dos quatro eixos de acção – e o primeiro a arrancar – no âmbito de um programa maior, que a fundação assume como um dos seus maiores projectos dos últimos anos. Sucede ao Inovar em Saúde. E surge da percepção de que a sociedade está “encantada com a tecnologia”, mas “desvaloriza o homem por detrás da máquina”. O que leva a Gulbenkian a disponibilizar um total de 10 milhões de euros para “investir naquilo que faz de nós humanos, onde nunca teremos competição das máquinas”, sustenta Pedro Cunha.
Para além das academias, o Gulbenkian Conhecimento terá oficinas (concursos de ideias), desafios (dando continuidade ao projecto que propõe a adopção de mudanças comportamentais com vista à melhoria dos sistemas, como é exemplo a iniciativa Stop Infecção Hospitalar) e um laboratório de conhecimento, que assenta na ideia de que "o amanhã é para pensar hoje".
Este é um programa que, aos olhos da Gulbenkian, marca uma mudança de rumo: o afastar dos meios institucionais de poder com que tinha vindo a trabalhar, para se aproximar da sociedade civil e procurando tornar-se “numa instituição relevante para os jovens”.
https://www.publico.pt/2018/05/14/sociedade/noticia/gulbenkian-tem-25-milhoes-de-euros-para-chegar-as-organizacoes-do-portugal-real-1829662
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